Monday, April 8, 2013

Quebra-onda

Retirado do Weheartit

Eu era garçom de um restaurante há alguns anos atrás. Era muito observador e tinha clientes frequentes.
O restaurante era de comida caseira, orgânica, "natureba" e tinha um público bem diversificado.
Havia aquelas duas senhorinhas que vinham toda terça e quinta e pediam suco de limão com gengibre e sempre pagavam mais que os 10%, havia o pai divorciado que levava o filho nas sextas porque a mãe "só dava porcaria", havia pessoas que entraram para experimentar e não voltavam mais e aqueles que me conheciam pelo nome, pedindo sempre a mesma mesa.
Uma dessas pessoas era uma moça que almoçava quase todos dias ali. Era uma moça que parecia muito comum numa primeira olhada. Eu observava ela sempre. Ela pegava a mesa próxima da janela, entrava e dava bom dia a mim e aos colegas que estivessem perto, com um sorriso meio caído. Servia-se com calma e deixava que as pessoas mais velhas ou que pareciam apressadas passassem na sua frente tanto na fila de servir a comida quanto na fila de pagar. Colocava a comida meticulosamente no prato, comia com calma, deixava a mesa meio ajeitada - mesmo havendo o serviço de 10% de garçom - e quando ia embora, sempre pedia pra embalar o resto de comida que sobrava no prato, quando não pedia algum lanche ou porção a mais. Um dia a observei pela janela e a vi dando aquela sobra pra alguns cachorros de rua e o lanche para um senhor, que parecia ser o dono daqueles cães.
Trabalhei durante 2 anos lá e durante 2 anos vi a moça almoçar acompanhada apenas uma vez, acho que era do seu namorado. Parei de trabalhar na loja por surgir oportunidade de fazer uma faculdade e resolvi que no último dia falaria com ela.
Ela sentou-se na mesma mesa de sempre, deu bom dia, serviu-se, e quando me chamou para fechar a conta, perguntei:
- Desculpe-me, mas, trabalho aqui há 2 anos e nem sei teu nome.
- Meu nome é Rosa.
- Prazer, sou Douglas. Posso te fazer uma pergunta?
- Claro!
- Você sempre almoça sozinha. Tem algum motivo para isso
Ela suspirou. Parecia não ter gostado da pergunta pois seu semblante ficou triste e me senti envergonhado com minha estúpida curiosidade.
- Me desculpe. Não queria...
- Não, tudo bem. Veja bem, eu até poderia, algumas raras vezes, ter uma companhia para almoçar. Porém...bem, eu não quero migalhas, restos. Se alguém quer minha companhia, quero que a aprecie, que goste de estar comigo. Almoçar comigo para não almoçar sozinho....não vejo porque. Não me sinto mal por almoçar sozinha, nunca foi um problema, aliás, não é um problema fazer nada sozinha. As pessoas acham, muitas vezes, que o fazemos por não ter opção, mas não. Eu prefiro a minha solidão, quietude que ter que aguentar pessoas, assuntos e falsidades que não estão à altura do que eu mereço como companhia.
- Você não acha isso meio...triste, ou mesmo, prepotente...? Parece que você afirma que sua companhia é melhor que a de outras pessoas.
- Não. É uma realidade e é a verdade. As boas companhias infelizmente não podem estar sempre comigo, as pessoas têm responsabilidades, compromissos a atender. Um dia, eu também pensava que isso era triste, hoje, vejo que isso só nos faz crescer, aumenta nossa perspectiva de quem queremos que esteja ao nosso lado e nos torna independentes. Agora, sei quem posso contar, e não é me acompanhando em um almoço por pura educação que alguém me prova isso, dependendo, muito pelo contrário.
Não entendi bem o que ela queria dizer. Continuei achando triste e um pouco prepotente, seletivo demais.
Ela agradeceu a conversa e se despediu, saiu como sempre saía.
Muito tempo depois, passei por vários situações onde me encontrei sozinho, na mais pura solidão, e então me lembrei dessa moça e do papo num dos meus últimos dias de trabalho. Resolvi voltar ao restaurante para  ver se a encontrava, poder dizer a ela que tinha razão. A encontrei na mesma mesa de sempre, uns anos mais velha.
- Oi Rosa, lembra de mim?
- Oi! Lembro, só não recordo teu nome, desculpe-me.
- É Douglas!
- E aí, como vai a vida, sumiu do restaurante...
- Pois é, as oportunidades melhoraram...
- Hmm, legal.
- Então, só queria dizer que você tinha razão. A solidão nos faz crescer, hoje eu vejo.
- Que bom que viu isso, fico contente.
- Sim sim.
Meu antigo chefe apareceu e deixei Rosa sozinha na sua mesa, quando voltei não a encontrei mais, infelizmente.
Fico feliz por ter tido a oportunidade de aprender a gostar da solidão e apreciá-la, antes, julgava, sem perceber, uma pessoa que não merecia por falta de conhecimento, por imaturidade. Agora, diferencio aqueles que apreciam a solidão e aqueles que são solitários. Aos primeiros, ofereço um breve sorriso, aos segundos, bem, eu puxo papo como fiz com a Rosa, antes de entender que ela fazia parte de algo tão único que não é para qualquer um entender e admirar.

2 comments:

  1. Muuito bom!
    Parabéns pela escrita! Vou acompanhar mais o teu blog!

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    1. Obrigada Anônimo(a) :)
      Aguardarei tuas visitas então! Abraço

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